segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pecado ou Doença

John MacArthur

Talvez a justificativa mais comum para escaparmos do sentimento de culpa seja a
de classificar cada falha humana como uma espécie de doença.
Alcoólatras e viciados em drogas recebem tratamentos clínicos por causa de sua
"dependência química". Crianças que geralmente afrontam as autoridades podem
livrar-se da reprovação sendo rotuladas de "hiperativas", ou por sofrerem de um
desvio de atenção. Os glutões nunca são considerados culpados, pois sofrem de
"desequilíbrio alimentar".
Até mesmo um homem que abandona a vida em família e gasta seu dinheiro
com prostitutas deveria ser olhado com compaixão, pois é um "viciado em sexo".

Um agente do FBI foi demitido após desviar dois mil dólares e gastá-los no cassino
numa única tarde. Algum tempo depois, ele processou o FBI sob a alegação de que
seu vício deveria ser entendido como uma incapacidade.
Sendo assim, a demissão foi uma discriminação, um ato ilegal. Ganhou a causa!
Além disso, seu seguro saúde teve que pagar sua terapia pelo fato de ser um viciado.
É como se sofresse de uma apendicite ou unha encravada.

Atualmente, qualquer tipo de delito que o ser humano comete pode provavelmente
ser explicado como uma enfermidade. O que antigamente denominávamos pecado é
mais facilmente diagnosticado como um conjunto de incapacidades. Todo tipo de
imoralidade e de conduta maldosa são agora identificados como sintomas desta ou
daquela doença psicológica. O comportamento do criminoso, todo tipo de paixão
imprópria e qualquer vício imaginável são passíveis de desculpas se receberem o
rótulo de desequilíbrio emocional. Até mesmo os problemas mais corriqueiros como a depressão, a fraqueza emocional e a ansiedade também são universalmente definidos
— quase que no mesmo nível—como desequilíbrios emocionais que necessitam de
cuidados médicos, e não classificados como doenças espirituais. A Associação
Americana de Psiquiatras publicou um livro para ajudar os terapeutas no diagnóstico
dessas novas doenças. The Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
[O manual de diagnóstico e estatística de distúrbios mentais] ( 3a edição, revista)
— ou DSM-III-R, como popularmente entitulado — lista os seguintes "distúrbios":

• Distúrbio de Conduta — "um padrão de conduta persistente no qual os direitos básicos
dos outros e as normas ou regras da sociedade concernentes às faixas etárias são
violados".
• Distúrbio Oposicional Desafiante — "um padrão de comportamento negativista, hostil e desafiante".• Distúrbio Hislriônico de Personalidade — "um padrão difuso de emocionalidade excessiva e busca de atenção".
• Distúrbio Anti-Social de Personalidade — "um padrão de comportamento irresponsável
e anti-social, que começa na infância ou no início da adolescência e continua na idade adulta".

E há muitos outros distúrbios semelhantes. Muitos pais, influenciados por tais diagnósticos, recusam-se a punir seus filhos pelo mau comportamento. Em vez disso procuram terapia
para DOD, ou DHP, ou para qualquer novo diagnóstico que se encaixe no comportamento rebelde da criança.

Segundo um escritor, a abordagem em termos de doença do comportamento humano nos oprimiu tanto, como sociedade, que nos deixou malucos. Queremos fazer leis que inocentem jogadores compulsivos quando estes desviam dinheiro, e que forcem as companhias de seguros a pagarem pelo tratamento deles. Queremos tratar pessoas que não conseguem encontrar o amor, e que em lugar disso (se mulheres) vão atrás de homens superficiais e apáticos, ou (se homens) vivem infindáveis casos sexuais, sem encontrarem a verdadeira felicidade. E queremos chamar todas essas coisas — e muitas, muitas outras — de vícios.

O que esta nova indústria do vício deseja alcançar? Mais e mais vícios estão sendo descobertos, e novos viciados identificados, até que todos nós estejamos aprisionados em nossos pequenos mundos com outros viciados como nós, catalogados pelos interesses especiais da nossa neurose. Que mundo repugnante e desesperançoso de se imaginar! Enquanto isso, todos os vícios que definirmos aumentarão. '

Pior do que isso é que o rápido aumento do número de pessoas que sofrem desses tais novos "desequilíbrios" aumenta de modo mais rápido ainda. A indústria da terapia claramente não está solucionando o problema que as Escrituras chamam de pecado. Em vez disso, simplesmente conven¬cem as multidões de que estão desesperadamente desequilibradas, e portanto, não têm nenhuma responsabilidade pelo seu mau comportamento. Isso lhes dá
permissão para entenderem que são pacientes e não malfeitores. Isso também as encoraja a se submeterem a um tratamento intenso — e caro — que dura anos a fio, ou melhor, a vida toda. Parece que esses novos desequilíbrios são enfermidades que ninguém espera superar
completamente.

O pecado tratado como doença provocou um crescimento enorme da multibilionária indústria do aconselhamento e o recurso da terapia de longo prazo, ou até mesmo permanente, promete um brilhante futuro econômico aos profissionais da área. Um psicólogo analisou essa tendência e sugeriu que existe uma estratégia definida na maneira de o terapeuta comercializar seus serviços:

1. Continuar a psicologização da vida;
2. Das dificuldades fazer problemas e espalhar o alarme;
3. Tornar aceitável o fato de ter problemas e ser incapaz de resolvê-los sozinhos;
4. Oferecer salvação [psicológica, não espiritual].

Ele observa que muitos terapeutas propositadamente estendem o tratamento por anos, até mesmo depois que o problema que provocou a procura do profissional tiver sido resolvido ou esquecido. "Eles demoram tanto na terapia que o paciente torna-se muito dependente do terapeuta; e um período especial de tempo — às vezes seis meses ou mais — se torna
necessário para que o paciente fique pronto para deixar terapia, Recuperação," a senha dos programas que seguem o padrão dos Alcoólicos Anônimos, é claramente definida como um programa para a vida toda. Crescemos acostumados com a imagem de uma pessoa que já é sóbria há quarenta anos, mas que, ao se levantar numa reunião do AA, diz: "Meu nome é Bill e sou um alcoólico". Agora, todos os viciados estão usando a mesma abordagem — incluindo viciados em sexo, em jogo, em fumo, pessoas que cedem facilmente à raiva, em espancamento de mulheres, em violentar crianças, em dívidas, em auto-abuso, em inveja, em comida ou em qualquer coisa que seja. Pessoas que sofrem de tais males são ensinadas a
falarem de si mesmas como em "recuperação", nunca como "recuperadas".
Aqueles que ousam pensar sobre si mesmos como já estando livres de seus desequilíbrios ouvem que estão negando seu problema.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Prega a Palavra. Steve Lawson

Toda época de reforma e despertamento espiritual tem sido iniciada por uma restauração da pregação bíblica. A causa e o efeito são inseparáveis e invariáveis. J. H. Merle D’Aubignè, famoso historiador da Reforma, escreveu: “A única e verdadeira reforma é aquela que emana da Palavra de Deus”. Isso significa: a condição da igreja corresponde à condição do púlpito.

Isso aconteceu à igreja por ocasião da Reforma Protestante, no século XVI. Martinho Lutero, João Calvino e outros reformadores foram levantados por Deus para liderar essa época.
Na vanguarda, estava a sua restauração da pregação expositiva que contribuiu ao desencadeamento do movimento religioso que mudou a Europa e, por fim, a civilização ocidental. Tendo o Sola Scriptura como seu lema, uma nova geração de pregadores bíblicos restaurou o púlpito à sua glória anterior e ressuscitou o cristianismo apostólico.

O mesmo aconteceu na época áurea dos puritanos, no século XVII. Uma restauração da pregação bíblica se propagou como um fogo violento na religião árida da Escócia e da Inglaterra. Um ressurgimento do cristianismo autêntico aconteceu quando um exército de expositores bíblicos – John Owen, Jeremiah Burroughs, Samuel Rutherford e outros – marchou sobre o Império Britânico com a Bíblia aberta e voz erguida.
Como conseqüência, a monarquia foi abalada, e a história, alterada.

O século XVIII testemunho exatamente a mesma coisa. A pregação de Jonathan Edwards, George Whitefield e dos Tennents, saturada de Bíblia, trovejou nas colônias primitivas na América. O litoral do Atlântico foi energizado pela proclamação do evangelho, e a Nova Inglaterra, grandemente impactada. A Palavra era pregada, almas eram salvas, e o reino se expandia.

O fato é que a restauração da pregação bíblica sempre foi o principal fator em todo avivamento genuíno do cristianismo. Philip Schaff escreveu: “Todo verdadeiro progresso na história da igreja é condicionado por um novo e profundo estudo das
Escrituras”. Isso significa: todo grande avivamento na igreja tem sido iniciado por um retorno à pregação expositiva.

D. Martyn Lloyd-Jones, pregador da Capela de Westminster, disse: “A necessidade
mais urgente da igreja cristã contemporânea é a verdadeira pregação. E, se essa é a maior e a mais urgente necessidade da igreja, ela é também a grande necessidade do mundo”.
Se esse diagnóstico é correto (e creio que é), um retorno à verdadeira pregação – pregação bíblica, expositiva – é a grande necessidade desta hora crítica. Se uma reforma precisa vir à igreja, ela tem de começar no púlpito.

Em seus dias, o profeta Amós advertiu quanto a uma penúria vindoura, uma secura terrível que cobriria a terra. Mas não seria a mera ausência de água e alimentos, pois a escassez seria muito mais fatal. Seria uma fome de ouvir a Palavra de Deus (Am 8.11). É certo que a igreja contemporânea se acha em dias de escassez semelhantes àqueles. Tragicamente, a exposição bíblica está sendo substituída por entretenimento; a doutrina, por dramatização; e a teologia, por teatro; e a pregação, por apresentações.
O que é desesperadoramente necessário é que os pastores retornem à sua vocação sublime – a comissão divina de “pregar a Palavra” (2 Tm 4.1-2).

O que é pregação expositiva? João Calvino, o reformador de Genebra, explicou: “ Pregar é a exposição pública da Escritura por meio do homem enviado da parte de Deus, pela qual Deus mesmo é apresentado em juízo e graça”. Em outras palavras, Deus está sempre presente, por meio de seu Espírito, na pregação de sua Palavra. Esse tipo de pregação começa com um texto bíblico, permanece nele e mostra o seu significado tencionado por Deus, de um modo que transforma a vida.

Esta foi a última responsabilidade que Paulo outorgou a Timóteo: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a
longanimidade e doutrina” (2 Tm 4.2). Essa pregação precisa declarar todo o conselho de Deus na Escritura. Toda a Palavra escrita de Deus tem de ser exposta. Temos de ensinar todas as verdades, expor todos os pecados, oferecer todas as graças e apresentar todas as promessas.

Um avivamento enviado do alto começará somente quando a Escritura for entronizada novamente no púlpito. Tem de haver uma proclamação retumbante da Bíblia, aquele tipo de pregação que apresenta uma explicação clara de um texto bíblico com aplicação, exortação e apelo constrangedores.

Todo pregador deve limitar-se às verdades da Escritura. Quando a Bíblia fala, Deus fala. O homem de Deus não tem nada a dizer sem a Bíblia. Não deve exibir suas opiniões pessoais no púlpito. Tampouco deve expor filosofias mundanas. O pregador está limitado a uma tarefa: pregar a Palavra.

Charles Haddon Spurgeon disse: “Prefiro falar cinco palavras deste Livro a falar 50.000 palavras dos filósofos. Se queremos avivamentos, temos de ressuscitar nossa
reverência para com a Palavra de Deus. Se queremos conversões, temos de colocar mais da Palavra de Deus em nossos sermões”. Isso continua sendo a necessidade gritante de nossa época.

Que uma nova geração de homens poderosos se levante e fale, e façam-no de modo altissonante e claro! A condição da igreja corresponde à condição do púlpito.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Noé e o livre arbítrio.

Gen.6: 5,8,13- E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente.

Noé porém achou graça aos olhos do Senhor.

Então disse Deus a Noé: O fim de toda a carne é vindo perante a minha face.

Analisando estes versículos da Palavra do nosso Deus, pude observar alguns ensinos preciosos, vejamos: Primeiramente a avaliação que o Senhor faz acerca do coração do homem, o Senhor decreta que todos, sem exceção, todos os impulsos, pensamentos, sonhos e planos do coração do homem são maus. A isso, os teólogos chamaram de pecado original e este ensino foi ratificado pelo Senhor Jesus quando Ele disse que: “...do coração do homem procedem os maus pensamentos, morte, adultérios, prostituição, furtos, falso testemunhos e blasfêmias” (Mat.15: 19). Da mesma forma o Apóstolo Paulo citando os Salmos14: 3, faz a seguinte afirmação : Como está escrito: “Não há um justo, nem um sequer” (Rom3: 10).
Todos pecaram e destituídos estão da Glória de Deus (Rom.3: 23). Em suma, O Pecado original significa que o homem, criado a imagem de Deus, sem pecado, após a queda, adquire uma nova imagem, uma nova semelhança, agora ele se parece com o pai da mentira, ele se
parece com o “príncipe deste mundo”(João12: 31), ele se parece com satanás.

Outra observação que me parece muito oportuna, é a sentença que o Senhor Deus faz acerca da carne; O Senhor diz: “É chegado o fim de toda a carne” (Gen.6:8). O que isso significaria? Talvez esteja relacionado com o texto de Paulo aos Romanos6: 7- “Aquele que está morto está justificado do pecado”. A próxima questão então é: Como eu posso estar morto? Creio que
a resposta vem logo em seguida no versículo 8 de Romanos 6- “Ora, se já morremos com Cristo, cremos que com Ele viveremos”.

Temos, então, aqui, duas preciosas lições da vida cristã:

1-Deus determinou a morte de toda a carne.

2-Com Cristo eu tenho uma forma de cumprir esta ordenança de morte.

Sinto ser necessário que expliquemos bem o que aqui ocorre, pois muitas vezes no passado, alguns tiveram uma falsa compreensão deste ensino. Costumava-se acreditar que na hora da morte, tudo o que a pessoa precisava fazer era dizer: “Senhor Jesus, desejo morrer contigo”.
Assim, criou-se uma falsa idéia chamada de extrema unção. Desejo esclarecer que este texto não significa absolutamente nada disso. A morte de toda a carne, ordenada pelo Pai e outorgada pelo Filho Amado, é aquela expressada pelo Apóstolo Paulo aos Gálatas2: 20 – “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora
vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim”. Aqui encontramos a morte da carne e a Vida de Cristo imputada, pela Fé, a todo aquele que foi com Ele crucificado.

Para melhor entendermos esse processo, vamos analisar as frases isoladamente. Paulo estava dizendo que havia sido crucificado com Cristo, ou seja, havia obedecido o mandamento dado a todos os discípulos que quisessem seguir ao Senhor Jesus, que é a ordem de tomar a Cruz
e seguí-Lo. Desta forma, ele estava crucificado para todos os seus sonhos, interesses, planos, desejos e pensamentos. Seu Ego estava esmagado, sua auto-estima aniquilada, seu orgulho derrotado, ele estava crucificado. Agora, ele possuía uma nova vida e por isso dizia: “A vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do filho de Deus”. Ou seja, não é mais a minha vida carnal, ainda tenho carne, mas ela não está mais no controle, não estou sob a tirania do meu velho coração escravo do pecado,... a vida que agora tenho, existe pela fé no Filho de Deus e está sob a Sua direção e Soberania. Não sou mais um homem carnal, sou agora um homem espiritual, a velha carne foi morta pela Cruz do meu Senhor Jesus Cristo.

Creio que há, ainda, uma explicação que deva ser dada nestes versículos de Gêneses. O texto afirma: “Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor”. Muitos costumam fazer a seguinte afirmação: Noé era bom, o coração dele não era tão sujo e mau como o dos outros homens que foram mortos no dilúvio e por isso ele achou graça aos olhos do Senhor. Sinceramente, você algum dia já pensou assim?
Bom, eu já, mas pela graça de Deus fui liberto desse erro! O texto diz que Noé achou Graça aos olhos do Senhor, isso quer dizer que ele achou um favor IMERECIDO, ou seja, ele recebeu algo sem dar nada em troca. A razão da escolha não foi porque ele não tinha um coração tão mau quanto os demais homens pecadores, absolutamente não; Caso isso tivesse acontecido, o texto traria escrito assim: “Noé, por seus méritos e santidade, foi abençoado e protegido pelo Senhor”. Mas o texto não diz isso, o texto diz que Noé achou algo de Graça aos olhos do
Senhor, ele obteve um favor que jamais mereceu e jamais mereceria.

Então, talvez você pense: “Mas que injustiça, já que não é por méritos, então muitos outros também deveriam ter sido escolhidos e protegidos, porque somente Noé?”. Creio que aqui o único argumento que se possa utilizar será aquele dito pelo Apóstolo Paulo aos Romanos9: 14a21- “Que diremos pois? Que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma. Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver
misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer (pessoa que deseja por livre arbítrio), nem do que corre, mas de Deus, que se compadece. Porque diz a escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado
em toda a terra. Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer.
Dir-me-ás então: Porque se queixa Ele ainda? Porquanto quem tem resistido à Sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?”

Concluímos, então, que a escolha de Noé nada tinha a ver com méritos ou merecimentos, mas unicamente com a bondade e a graça de nosso Deus. E, desejo aqui conjecturar que Noé nem sequer teve a chance de contestar as razões de sua escolha, porém, no verso 22, fica registrada a seguinte frase: “Assim fez Noé; conforme a tudo que Deus lhe mandou, assim fez”.

Salvo pela Graça, justificado pela fé, eleito segunda a justiça e presciência de Deus, Noé foi feito um homem justo aos olhos de Deus, não porque possuísse um reto coração ou que fosse mais justo que os demais, não, definitivamente, não; Ele foi feito justo pela Graça, Graça
que o encontrou e escolheu em meio a uma geração corrompida por uma vontade que jamais, espontaneamente, teria escolhido o bem. E como disse Spurgeon: “Sei que Deus me escolheu, porque eu mesmo, jamais o teria escolhido”.

A extrema obediência gerada pela escolha e eleição de Noé trouxe uma nova observação da parte do Senhor: “Entra tu e tua casa na arca, porque tenho visto que és justo diante de mim nesta geração”. Parece que Noé, após cem anos de trabalho de construção daquela arca, acabara por adquirir uma nova posição de justiça diante do Senhor, “no meio de uma geração corrompida e perversa ele brilhava como luzeiro no mundo” (Fil.2: 15). Após a escolha
soberana do Senhor e muitos anos de tratamento, Noé estava pronto para entrar na arca. Assim, nesta ordem, voltamos ao verso 9 de Gen.6 onde diz: “Noé era homem justo e perfeito em suas gerações” (família por ele gerada). Entendemos desta forma que a Graça o escolheu e a Fé o justificou, mas esta ordem jamais será alterada na vida de um salvo.

Muitos defensores do livre arbítrio poderiam argumentar que foi algum princípio bom que havia no coração de Noé que deu a razão de ter ele sido escolhido e que a graça de Deus foi um reconhecimento da parte do Senhor à bondade de Noé. Assim, antes da graça, ou antes da escolha de Deus, Noé, por seu livre arbítrio já escolhera ser justo e aguardava apenas a graça de Deus para o aprimoramento da sua justiça inata.

Sobre esta mesma filosofia e pensamento, vamos conjecturar aqui, como seria um diálogo entre Noé e um defensor do livre arbítrio:

De antemão, gostaria de esclarecer que este é um diálogo fictício e não traz ordem nas datas e acontecimentos Bíblicos citados; os personagens imaginários serão: Desidério Erasmo, homenageando o ferrenho adversário de Lutero em relação a este tema, já que Lutero defendia a predestinação e Erasmo o livre arbítrio e, obviamente, o nosso herói Noé.
Vejamos como seria:

-Erasmo: Olá Noé, como tem passado?

-Noé: Bem, obrigado!

-Erasmo: Ainda construindo esse barco?

-Noé: Não é um barco, é uma arca e deve levar muitas pessoas, coisas e animais para a segurança e salvação do grande dilúvio!

-Erasmo: Que loucura Noé? De onde você tirou isso? Que dilúvio é esse?

-Noé: Deus vai destruir tudo o que conhecemos com uma grande inundação e quem não entrar comigo na Arca será morto!

-Erasmo: Hehehehe! Que idéia mais maluca Noé! Você está ficando um velho caduco mesmo! Você acha que Deus sendo tão bom, compreensivo e longânime faria uma coisa dessas? Veja aquelas criancinhas ali brincando na areia, veja aquelas mamães segurando seus bebezinhos no colo, você acha que Deus mataria todos eles afogados? Ora essa, como você pode pensar uma coisa dessas de Deus?

-Noé: Bom, foi Ele quem disse que faria isso, eu acredito! Mas Deus também disse que todos aqueles que entrarem na arca serão salvos e por isso eu tenho anunciado e pregado a todas as pessoas que me ajudem com a arca e que possam se salvar quando ela ficar pronta!

-Erasmo: Noé! Você gostaria mesmo que as pessoas te ajudassem na construção dessa arca e entrassem nela com você?

-Noé: Sim, eu gostaria!

-Erasmo: Bom, nesse caso você precisa entender que as pessoas, nesta terra, possuem livre arbítrio e que elas só escolhem aquilo que lhes parece “bom”, aquilo que lhes agrada os olhos, aquilo que faz com que elas se sintam bem! Você acha que essa sua mensagem apocalíptica e essa arca horrorosa que você esta construindo atrai as pessoas?

-Noé: Bom, acho que não! Eu não tinha pensado muito nisso, só falei a Palavra que recebi de Deus.

-Erasmo: Olha Noé, eu conheço o modo de pensar das pessoas, a psique que as controla. Para que as pessoas possam escolher um produto que esta sendo oferecido a elas, você primeiro precisa avaliar seu público alvo, você precisa fazer uma pesquisa de mercado, avaliar a cultura da região afim de adequar sua mensagem às necessidades imediatas das pessoas. Quando você estiver falando com uma pessoa fleumática, sua abordagem não deve ser igual a que você usaria para uma pessoa sanguínea, você precisa ajustar a mensagem e a abordagem, não pode simplesmente ser como um Jonas correndo e gritado nas ruas de Nínive dizendo: “arrependam-se porque amanha cairá fogo dos céus e Deus matará a vocês todos”.

-Noé: Mas essa mensagem não atingiu o seu propósito?

-Erasmo: Sim, mas foi um acidente, nos dias de hoje Deus tem dado ao Seu povo muitas ferramentas que tornam obsoletas essas mensagens curtas e práticas, hoje, temos que usar as ferramentas das ciências e culturas dos povos, porque as pessoas estão mais bem instruídas e não se consegue convencer o livre arbítrio delas apenas com mensagens contidas em um
velho livro.

-Noé: Poxa vida! O que devo fazer então?

-Erasmo: Bom Noé, eu não acredito em nada dessas catástrofes que você tem pregado, mas ainda assim, te darei alguns conselhos para que você possa agregar muita gente a essa sua arca.

-Noé: Obrigado Erasmo! Creio que seria muito bom poder levar muitas outras pessoas comigo e não somente minha família, pois seria terrível ver tantos mortos sem poder ajudá-los, porque Deus fechará a arca pelo lado de fora e ninguém mais poderá entrar após o decreto do Senhor!

-Erasmo: Ainda acho que você esta delirando, mas vou ajudá-lo:

Em primeiro lugar: Você deve mudar a cor da arca, ela está horrível, olha só toda essa madeira seca, não tem nenhum verniz, parece um mausoléu! Você deve escolher cores vivas como verde, salmão, ou lilás.
A idéia é atrair as pessoas e não espantá-las.

Em segundo lugar, pare com essas mensagens fúnebres, lembre-se: “um gota de mel atrai mais moscas que um barril de fel”. Fale coisas boas, positivas, fale de bênçãos, de prosperidade, de saúde. Você até parece o Zé do caixão, o tempo todo anunciando a vinda do Senhor e o Juízo da terra, pare com isso Noé, isso não atrai ninguém, quem usará seu livre
arbítrio para escolher algo assim tão catastrófico? Você parece uma pessoa que tem o inferno todo atrás de si, vivendo cada dia como se fosse o último em uma vida de urgência solene com esse livro de capa preta na mão. Isso assusta as pessoas, você precisa estar de bem com a vida, pare de ver perigo em tudo, isso não é normal.

Em terceiro lugar, após mudar suas mensagens, você precisa transmitir as pessoas a idéia de que sua arca é “relevante para o mundo”; você precisa de uma mensagem atual ligada ao meio ambiente e a paz mundial. As pessoas precisam sentir que a arca faz bem ao mundo, elas
precisam sentir que fazendo parte da arca serão pessoas socialmente melhores e mais bem aceitas! Você não pode ficar por ai dizendo que alguns serão eleitos e salvos e outros não; Isso ofende as pessoas, elas vão começar a dizer que você é um presunçoso, você precisa relevar um pouco, sua mensagem precisa ser mais humana, mais adequada às necessidades e estilos de cada indivíduo. Está certo que Deus falou desse jeito, mas o mundo está mudando e você precisa utilizar sua criatividade no ensino da mensagem.

Em quarto lugar, veja o tamanho dessa arca, nós nem sequer temos chuva aqui. Você precisa entender que Deus não disse o Dia em que Ele virá trazer juízo e, portanto, é possível que demore muito, eu, particularmente, acho que vai demorar muitíssimo; por isso, temos que
aproveitar o tempo e atrair as pessoas para dentro da arca. Depois que elas estiverem dentro, daí, aos poucos, bem aos poucos, você vai ensinando a elas a mensagem que Deus te deu. Mas primeiro, com o objetivo de colocá-las dentro, você não pode pregar algo que venha ferir os interesses delas e nem chamá-las para uma arca feia como essa. Você precisa fazer com que elas se sintam bem, precisa fazer com que elas gostem da arca e, é aqui que precisamos usar a nossa criatividade. Vou dar um exemplo: Para que serve aquele compartimento do
segundo andar?

-Noé: Ali guardamos os alimentos (para o espírito).

-Erasmo: Bobagem! Não precisamos disso ainda, a chuva nem começou! O que precisamos agora é de atrativos para as pessoas. Que tal fazer ali uma quadra de esportes ou um espaço para lazer? No outro compartimento ao lado, podemos fazer um parquinho de diversões para as crianças, podemos até cuidar delas enquanto as mães vão trabalhar. Veja que idéia inovadora! Lembre-se Noé, concentre-se no foco: Precisamos de uma “arca que seja relevante para seu tempo”. Eu sei que você não sabe o significado dessa frase, as pessoas também não sabem, mas isso não tem a menor importância. O que interessa é a frase e não o significado dela. As pessoas não querem saber sua conotação ou contexto, querem apenas ouvir o som da frase. Veja como soa bem: “relevante para seu tempo”. Não é lindo? Ninguém vai perguntar se isso é coerente com as Escrituras, quando as pessoas ouvirem isso elas entenderão que
é uma mensagem celestial, tão bela e imponente que alguns até pensarão estar ouvindo uma língua estranha. Claro que você precisa encher os pulmões e falar com eloqüência e decisão, pare com essa sua mania de querer ficar explicando as coisas; fale com convicção e voz firme, de preferência, esteja sobre o palco e ninguém ousará contestar e logo todos estarão aplaudindo ansiosos para ver como deve funcionar uma “arca relevante”.

-Noé: Hã! Tá bom, então!

-Erasmo: E quanto a este tablado no terceiro andar?

-Noé: Bom, reservei este local para reuniões com a tripulação, pensei que poderíamos entregar nossos jejuns com orações, pano de saco e cinzas pela dor da catástrofe que nossos pecados
provocaram no mundo.

-Erasmo: Que coisa horrorosa Noé! Lá vem você com essas lamúrias! Pare com isso! Orações silenciosas, temor, reverência, que coisas mais fora de moda. Vamos já colocar uma batera naquele canto, um palco para apresentações de dança e muitas festas e comemorações. Ninguém precisa orar em silêncio e profunda meditação, quem quiser fazer isso, faça em
outro lugar, aqui não! Colocaremos músicas de fundo, instrumentos para estimular as emoções e quanto mais barulho melhor, assim as pessoas pensam menos e não contestam o nosso trabalho.

-Noé: Éh..., não tinha pensado nisso.

-Erasmo: Claro que não pensou, você tem umas tendências ao fanatismo e radicalismo, não consegue ver as coisas com o correto equilíbrio. Vou dar um exemplo do que estou dizendo: Vejamos, o que você me diz da seguinte frase:

“Porque, persuado eu agora a homens ou a Deus? Ou procuro agradar a homens? Se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo” (Gál.1: 10).

-Noé: Glória a Deus! Muito boa essa frase!

-Erasmo: Não disse que você também tem essa tendência ao fanatismo Noé! Que boa nada. Essa frase não acrescenta nada aos nossos planos. O homem que disse essa frase morreu solitário e decapitado nas mãos do governo romano. Que idéia tola. Temos que ser inovadores, visionários, mantendo sempre o equilíbrio; equilíbrio Noé, nada de radicalismos.

Deixe-me ser mais claro. Como eu te disse, o autor dessa frase, paria da idéia de que fosse impossível agradar a Deus e aos homens ao mesmo tempo. Ele não tinha a devida sagacidade de ouvir e atender os clamores da multidão, estava sempre com esse pensamento medíocre de se direcionar apenas por conceitos teológicos extraídos de um velho livro norteador da vida Cristã. Isso não é ser sensato. Veja bem Noé, existe até um ditado que diz: “A voz do povo é a voz de Deus”. Claro que essa frase exagera um pouco, mas o princípio que nos deve nortear é a democracia, então temos que seguir a maioria, em outras palavras, estamos com a multidão. E você deve considerar que se a maioria gosta de determinada coisa, é provável que Deus
também gosta, afinal, não somos feitos a imagem e semelhança de Deus?

Noé: Mas a queda e o pecado não fizeram com que todos os desígnios do coração do homem se tornassem maus?

Erasmo: Ai, ai, ai, Noé! Lá vem você com essas conversas de teologia. É exatamente isso que atravanca as coisas, porque ao invés de você estar utilizado logo o seu carisma e sua criatividade para encher a arca, você fica com essa tolice de se preocupar com detalhes mínimos e irrelevantes. Você acha que Deus tem essa preocupação que se faça tudo nos
mínimos de detalhes (Salmo119: 4)? Claro que não, Deus deseja resultados, resultado que se expresse em quantidade de almas, entende?

Voltando às nossas dicas: Em quinto lugar, tire essa sua barba enorme e passe uma tinta nesse cabelo. Você está com uma aparência horrível, a imagem do pregador conta, e muito, sabia? Você estará pregando uma mensagem relevante e precisa parecer uma pessoa relevante também!
Eu sei que existem aqueles retrógrados que insistem em dizer que o messias será um homem de dores, experimentado nos trabalhos, sem beleza ou formosura (Isaias53: 2e3). Alguém assim com um semblante taciturno, centrado, sério, objetivo, com olhos fixos no alvo, que falará mensagens tipo, bem-aventurados os que choram, os pobres de espírito, os que têm fome de justiça... mas eu, particularmente, considero tudo isso uma grande tolice. No meu entendimento, o messias será uma pessoa sorridente, alegre, bem vestida que goste de contar algumas piadinhas e anedotas para divertir a platéia. Creio que ele terá uma aparência bem mais próxima a de um surfista com algumas tatuagens e que mostrará a importância do livre arbítrio e também da liberdade de expressão. Nada desse radicalismo religioso que sufoca a criatividade e a liberdade das pessoas.

Nunca imaginaria um messias que expulsasse as pessoas do templo só porque foram ali vender alguns alimentos e animais (Mat.21: 12).
Quanto radicalismo! Baseados em idéias como essa é que existem os religiosos radicais que ficam se preocupando com comportamentos e roupas nos lugares sagrados. Eu concordo que se fosse para conversar com um político famoso, um presidente ou um governador, tudo bem, mas para um simples culto a Deus a pessoa deve ir de qualquer jeito, não precisa ter esse tipo de preocupação com roupas e comportamentos. Nossa arca não terá preconceitos, ninguém deve se importar com roupas, as pessoas poderão colocar suas bermudas, chinelos e camisetas de alcinhas e irem para o culto. Isso é prático e moderno, se a arca estiver ancorada na beira da praia, as pessoas podem ir direto da praia para o culto sem nenhum constrangimento, se estiver perto de um cinema, podem pegar seus saquinhos de pipocas e assistirem aos nossos eventos gospel sentindo-se em sua própria casa.

Em sexto e último lugar, agora que já ajustamos a mensagem, já adequamos a arca, você precisará da ajuda dos pequenos grupos para difundir a idéia, veja bem, isso não é um discipulado, porque fazer discípulo dá muito trabalho e você teria que contar toda a Verdade a eles, teria que falar do apocalipse e de tudo o que consta na Palavra, seria muito tempo desperdiçado, não temos tanto tempo assim; a idéia de pequenos grupos versáteis é assim: O povo não gosta muito de coisas trabalhosas, eles se reúnem, cantam, dançam, falam das promessas de felicidades na terra e sentem-se salvos, pronto, isso já basta. Agora você prepara algumas pessoas que gostam dessa mensagem e estão sempre com aqueles sorrisos congelados em seus rostos, aquela aparência de quem já está no céu; diga a eles que são líderes natos e, portanto, deverão desenvolver sua capacidade levando outros às mesmas idéias e comportamentos.
Sempre que eles conseguirem alguns novos adeptos, você faz uma menção honrosa e
uma homenagem singela, mostra fotos, manda-os subir no palco e a multidão aplaude as boas obras deles, isso já é o suficiente para que se sintam recompensados e continuem a fazer mais prosélitos e adeptos para a nossa arca.

- Noé: Poxa, Erasmo, eu entendi tudo, acho que são idéias ótimas, mas meu coração está impaciente, acho que não consigo esse desempenho, não sou criativo, eu nem queria estar pregando as mensagens que prego, eu queria levar uma vida normal, mas não consigo parar, parece que tem um fogo que me consome e me impulsiona a pregar sempre a mesma mensagem, mesmo que ninguém ouça.

- Erasmo: É ... eu já imaginava que você diria isso. Acho que você não foi mesmo feito para o Glamour e o sucesso nesta época de tantas luzes.

- Noé: Penso que não mesmo. Nem sei ao certo quando meu Senhor virá, mas continuarei a pregar a velha mensagem, não sinto que tenha livre arbítrio, o que sinto é que fui escolhido e preparado para esta obra e, qualquer coisa diferente, que venha a tentar fazer, queimará
como um fogo consumidor ardendo em minha consciência, creio que tudo o que posso e consigo fazer é me adequar à Soberana Vontade de meu Senhor, não tenho escolhas livres mesmo!

-Erasmo: Bom Noé, que pena para você! Sou obrigado a te dizer que você não alcançará êxito no padrão deste mundo. Infelizmente, os únicos que você conseguirá colocar na arca serão seus próprios parentes, você será um fracasso, como aqueles políticos em quem ninguém vota a não ser a esposa e os filhos.

-Noé: Penso que sim; De qualquer forma, obrigado Erasmo! E que aqueles que tiverem ouvidos para ouvir, ouçam, mesmo que a mensagem seja tão louca!

Que Deus muito os abençoe!

Irmão Acyr.